segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A casa dos avós

Há uma casa, a casa dos meus avós, a minha casa. Bem, na verdade a casa não é nossa, sempre foi alugada, mas desde que me lembro que é a casa dos meus avós, foi lá que morei a maior parte do tempo por isso é a minha casa também.

Mas agora a casa vai deixar de ser nossa, já não há ninguém para lá morar, e estamos em fase de mudança, de tirar de lá tudo para entregarmos a casa.

É um processo difícil, doloroso, mas necessário.

Neste dias em que tenho lá ido ajudar a desmontar, tenho recordado toda uma vida naquela casa.

Conheço de cor o barulho dos elevadores, da porta a bater, o cheiro do prédio. Conheço a porteira, a D. Amélia, desde criança, o moradores daquele prédio viram-me crescer e eu vi-os envelhecer e morrer.

Sempre foi uma casa cheia, com os avós, netos, filhos, sobrinhos, primos, éramos sempre muitos, uma casa cheia de vida. Em alturas de festas alguns tinham que dormir na sala, porque os 3 quartos não eram suficientes, os banhos de manhã eram imensos, lembro-me de no Verão regressarmos da praia e discutirmos quem era o primeiro a tomar banho, quem se lembrasse de dizer primeiro ganhava.

Todo aquele quarteirão me é familiar, o café do Sr. Manel, a papelaria do Sr. Carvalho, onde íamos comprar cromos e cadernetas e todo o tipo de tralhas, a padaria, onde ía todas as manhãs buscar o pão antes de ir para a escola, a mercearia do Sr. Zé que tinha os melhores croquetes que já comi em toda a minha vida.

E a casa, toda a casa que sinto tão minha, o meu quarto, o quarto dos rapazes, a cozinha de onde vinha o barulho de panelas que me acordava todas as manhãs, era a avó a preparar as coisas para fazer a sopa, a varanda que tem uma vista fantástica sobre a ponte e onde eu ia espreitar o trânsito antes de arriscar ir para a costa da caparica, o quarto dos avós, ultimamente do avô onde todas as manhãs eu batia à porta, esperava que ele batesse as palmas para poder abrir e lhe dizer bom dia, antes de sair para o trabalho. A sala que reuniu a família tantos Natais, tantos aniversários, e nos reunia às refeições, sempre, às 13h e às 20h.

Foi a casa onde fui criança, onde fui adolescente, onde me tornei mulher, foi a casa onde vivi os momentos de maior sofrimento mas também de maiores alegrias, fiz-me a pessoa que sou naquela casa.

Racionalmente não faz sentido, porque quem fazia a casa eram as pessoas que lá viviam, que por uma razão ou outra já lá não estão. Por isso nesta altura é só uma casa como outra qualquer.

Ainda assim, vai ser estranho, fazer os caminhos que levavam lá a casa, passar à porta e saber que já não é nossa, que provavelmente vive lá uma outra família, que não faz ideia que aquela casa foi nossa durante uma vida, que entre aquelas paredes viveu a minha família, que aquela casa foi o nosso porto seguro.

Mas enfim...as recordações são minhas, serão sempre minhas, não tenho que as entregar a nenhum senhorio.

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